A Guerra dos Palmares (1955), obra de Manuel Vítor, reprodução. Quilombos foram estratégias de sobrevivência e luta por liberdade do povo negro escravizado no Brasil muito antes da Lei Áurea
Ao longo dos três séculos de violência extrema e trabalho forçado, negros e negras escravizados foram incansáveis na busca por liberdade no Brasil. Muito antes de a Princesa Isabel (1846 – 1921) assinar a Lei Áurea, no dia 13 de maio de 1988, movimentos no país inteiro, de maior ou menor monta, alguns nem mencionados pela história, fizeram resistência. Essa é uma das razões pelas quais o protagonismo centralizado na data 13 de maio, fundamentado em torno de um gesto da realeza de abolir a escravidão, é contestado. Para além da suposta benevolência do Estado, estava a pressão comercial internacional e o incontestável e já não mais passível de silêncio levante abolicionista.
— Podemos lembrar as Revolta dos Malês (1835), na Bahia, do tanto de quilombos que foram consolidados no país, numa demonstração bastante documentada, inclusive em Santa Catarina, do quanto os negros resistiram contra o modelo de escravidão. Diante desse ocultamento do protagonismo do negro para se chegar à abolição é que essa data deixou de ser celebrada — explica Jeruse Romão, pedagoga, mestre em educação e militante do movimento negro em Santa Catarina.
Até os anos 1970, o Dia da Abolição era amplamente comemorado por órgãos oficiais. Nos jornais de época, eram inclusive comuns imagens de mãos — sem corpos — rompendo correntes, ou de mulheres negras amamentando crianças brancas, na tradicional figura da mãe preta.
— Lembro dos tempos de escola, quando o 13 de maio era tido como o dia da “libertação dos escravos”. Não era uma data, era uma vergonha. Era o dia dos escravos. Só que nunca fomos escravos, fomos escravizados. É preciso dizer que o que aconteceu com a assinatura da Lei Áurea foi mais gesto de racismo. A gente sabe que não houve o processo de liberdade. As tratativas comerciais internacionais indicavam um novo modelo de produção para o Brasil, ou seja, para seguir com parceiros comerciais, o país não poderia ter pessoas negras escravizadas. Eles se livraram da negrada e a jogaram ao limbo. Que liberdade é essa? Quando não tem casa, trabalho, comida, terra? Vai para onde? Para onde? Muitos ficaram onde estavam — questiona Vanda Pinedo, 61 anos, professora, militante do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNUCDR) e integrante do Fórum das Religiões de Matriz Africanas da Grande Florianópolis.
Consciência Negra e Combate ao Racismo
Atualmente, o 13 de maio é celebrado como o Dia Nacional de Denúncia Contra o Racismo. É uma data para questionar a liberdade, por isso foi ressginficada. Vale dizer que os 300 anos de escravidão no Brasil resultaram em 4,9 milhões de africanos traficados. Mais de 600 mil morreram no caminho. Mesmo passados 132 anos da Lei Áurea, a população negra é a principal vítima de homicídio. Embora represente a maior parte da população — 56,1% das pessoas se declaram negras, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE —, pretos e pardos ganham muito menos que os brancos: o rendimento médio domiciliar per capita era de R$ 934 em 2018. No mesmo ano, brancos ganhavam, em média, R$ 1.846.
A partir do surgimento do Movimento Negro Unificado (MNU), organização pioneira na luta do Povo Negro no Brasil fundada em 1978, se propôs uma nova data, o Dia Nacional da Consciência Negra, em 20 de novembro.
— Um grupo de jovens no Rio Grande do Sul, liderado pelo poeta, professor e pesquisador Oliveira Silveira, criou essa data em torno daquilo que se tem como o dia do falecimento, do tombamento, do líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi dos Palmares, que teria ocorrido em 20 de novembro de 1695 — afirma Jeruse Romão.
A data foi instituída em âmbito nacional pela lei 12.519, de 10 de novembro de 2011, e é considerada feriado em mais de mil cidades.
— Quando foi sancionada a lei 10.639, de 2003, sobre a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas, também estabeleceu a obrigatoriedade de se falar sobre o 20 de novembro e não sobre o 13 de maio. Contudo, a data existe historicamente e não pode ser apagada — diz a educadora.
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