Depois de 10 anos preenchendo um bocado de cadernos com versos livres, Fernando Boppré finalmente não se reconheceu em 38 poemas. Em Poço Certo, livro recém-lançado pela Caiaponte Edições, o autor assume a versão que mais gosta de si mesmo, a de poeta-escritor. A publicação está à venda pela página da Caiaponte Edições, na Estante Virtual e na Amazon.
— Meu critério para seleção era que quando eu lesse, não parecesse escrito por mim. Eu gosto na escrita dessa capacidade de você se transportar para o outro. Pode até ter o meu ponto de vista, mas tenho que entender a lógica do outro — diz.
Boppré é um camaleão no contexto cultural de Santa Catarina. Historiador, pesquisador e professor, ele é reconhecido pela atuação no cinema, nas artes visuais, em museus, como curador e como crítico de arte.
Poço Certo foi escrito e amadurecido sob o espectro de uma depressão, companheira do autor há pelo menos 20 anos. O próprio título carrega um significado ambíguo: o lugar da tristeza que o acompanhou no processo da escrita e também o nome do local cuja vista o inspirou — uma queda d’água escondida no município de Alfredo Wagner (SC).
Oeste adentro
O livro é dividido em quatro partes: Evidência e Extensão, Gente, Vicissitudes e o Epílogo, com um último e único poema. Embora feito de versos livres e libertos de formas e métricas, obedece a uma narrativa coesa, com forte presença da paisagem litorânea mesclada ao tempo de silêncio que acompanhou a chegada de Fernando Boppré à Chapecó. Nascido em Florianópolis, há quatro anos ele optou por seguir o caminho contrário da maioria: 556 quilômetros a oeste da Capital encontrou um amor, um circuito cultural novo, uma lógica diferente da do capital, tão evidente nos grandes centros — onde o próprio circuito de artes é privilegiado em detrimento às cidades interioranas.
Nesse sentido, as observações do poeta sobre o mundo atravessam territórios, injustiças sociais, retratos, amizades, a história e a filosofia: “Um livro que não serve de nada, talvez para inventar um sorriso apesar de”, escreveu no material de divulgação.
Em Chapecó, recentemente Boppré fundou a Humana Sebo Livraria Galeria, um espaço cultural que funciona como sebo, livraria e galeria de artes. Um lugar de encontros no Centro da cidade.
—É pequeno, mas as estantes vão até o teto.
Poço Certo (2020), de Fernando Boppré. Caiaponte Edições. 72 págs. R$ 25
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Oceano
A vasta e única extensão que chamam
Mar, não passa de Pasto afundado em
Sal e Água, corcunda que no Horizonte
se abaixa; desaparece e faz lembrar que
Lá longe se erguerá
E passará a se chamar
Continente.
Armas silenciosas para guerras tranquilas
Fiapo de rio
Mal cabe o jacaré
Mas sabe o louco
O que poucos sabem
Que entre a mata fina
Reside o crocodilo futuro
E atingirá tamanho
Carapaça e dentes incisivos
Capazes de estraçalhar
Lontras e crenças
Autorretrato
a boca poeirada úmida
corpo oceano
cruzado à vela só.
é ruído na paisagem