7 dardos de prosa
Por Dinovaldo Gilioli
na verdade as sombras só sobram nas sobras do sol, nas dobras do parapeito do edifício preto. mas se as sombras são sobrinhas de uma tarde que se finda é porque é cedo ainda pra soçobrar o que resta da vida: ser vivida.
As sete asas chamavam a atenção. De cores reluzentes cegavam quem ousasse fitá-las num só olho. A tarde caía como todas as manhãs e noites dos repetidos dias. Não fosse esse acontecimento, a cidade que murmurava apenas o barulho das máquinas de quatro rodas viveria o tédio costumeiro. Desde a chegada à lua, os habitantes desconfiavam que algo diferente estava para acontecer. Nada, porém, comparável com o ocorrido.
o ato aconteceu as oito horas e trinta minutos. para ser mais preciso as oito horas trinta minutos e treze segundos. não isto não é exxxccessso de detalhe. no final você perceberá ou talvez até no meio que isto tem razão de ser. confesso que não é nenhum truque literário do tipo que tenta amarrar o leitor. os treze segundos é o definidor da situação por isso não pode sair de cena ou melhor do texto. é claro que isto foi um pretexto para te manter atento ao texto.
Elas conversavam na sala, enquanto tentava me concentrar. É sempre assim, ler parece coisa de desocupado. Não entendem que exige concentração e uma certa dose de energia, mesmo nas leituras ditas fáceis. Estava quase na metade do parágrafo, uma delas me chamou. Pediu que desligasse a água no fogão. A cena das bolhas borbulhantes me chamou a atenção. Nunca havia pensado nisto e muito menos parado para observar esses líquidos cristais. Esteticamente falando foi uma das coisas mais bonitas que meus olhos já presenciaram. Discorria assim o autor do referido livro.
de tanto falar de coisas que não se cala criou calo na fala. fala são falares de falsos olhares de não enxergares. quem fala mais fala pode ser o que cala a palavra silêncio. não é de hoje que se diz uma vida por um triz. de tanto falar o que não se fala quiseram calar a sua fala. ai de quem se cala!
Desço a ladeira, como todos os dias, mas percebo algo diferente. À frente, na janela, não está Carminha. Ah, a deliciosa Carminha, com suas coxas roliças e suas colchas lisas desvendando meus segredos. De tantas noites, onde em claro não via o tempo passear. O tiro foi certeiro, me disse o menino: morreu de traição!
pasta de dente escorrendo na cama paletó dobrado no sofá meias pelo quarto chinelos em polvorosa e um dia inteiro para ser preenchido. o homem cheio de vazios no ap de cobertura estava descoberto de alegria. num gesto moderno se suicida com a gravata do terno.
Dinovaldo Gilioli é autor de sete livros, dentre os quais, Cem poemas (editora da UFSC) e Inventário de Auroras (Costelas Felinas), foi diretor de cultura do Sindicato dos Eletricitários de Florianópolis, onde coordenou atividades nas áreas de teatro, dança, música e literatura. Realizou com os artistas plásticos Schneider e Marcelo Pagliarim as exposições Arte e Poesia em Movimento e O Silêncio Arde; respectivamente. Integra a Comissão Organizadora do 10° concurso Conto e Poesia, promovido pelo Sinergia. Foto: Sergio Silva
Próxima Parada: Luciana Tiscoski
Próxima Parada é o projeto de literatura da Revista Gulliver idealizado pela escritora, jornalista e artista Patrícia Galelli. Um espaço de difusão semanal de pessoas que escrevem em Santa Catarina sem um recorte de gênero, mas da produção num espaço geográfico, livre de estereótipos e que ganha leitores além das fronteiras. É uma viagem para conhecê-las, cumprimentá-las, acessar um recorte do mundo que criam.