Imagino mar
Por Cristiano Moreira
Fundeei âncora e vigia nesta mata
nesse mar de multitudes meu horizonte
minha cabeça linha d’água maré alta
nos orvalhos meu olhar retina aquário
que Dona Ula chamou um dia “rocio do mar”.
Sinto a hora particular de minha lua
que enche a rede dessa mata, vaza luz
através das malhas do tecido verde vário.
Lanço mirada que nada sem gravidade
junto ao peixe que acompanha o planeta.
Faço meu o seu silêncio de anêmonas
Ouço no leito um cochicho do riacho
desce banzo, morro abaixo
bailando de cambaio entre as pedras
sob as lâmpadas aladas das luciérnagas.
Imagino o mar batendo asas no meu sangue
e da escrita saltam os peixes voadores
soltos no ar os cardumes de folhagem
vindo do sul, da infância à sotavento
desse lugar em que aprendi a naufragar.
Aprendi guardar no costado as tormentas
e no verdugo é onde calo os meus amargos.
Vejo o seu duplo no escuro da floresta
no caule podre de uma árvore caída
intensidades entre os fungos e as formigas
mover da vida entre correntes e corais.
Navego a casa em subaquática saudade
e minha bússola se faz no giro da tramela.
Abro as janelas, atraco céu, rubra escotilha.
O sol me puxa de través na maré baixa
comovido ao olhar ambas as margens
e lembrar que é minha carne este mangue.
Cristiano Moreira é poeta, professor e tipógrafo. Nascido em Itajaí, em 1973, criado em Navegantes. Estreou na poesia com Rebojo (Bernúncia, 2005). Dente de cachorro (Editora Nave, 2018) é seu livro de poesia mais recente. Doutor em literatura brasileira (UFSC), um dos organizadores e editor de Imprevistos de arribação – textos de Osman Lins nos jornais recifenses (Papaterra, 2019). Sócio da Quinta da Gávea hospedaria e quintal criativo onde está sediado o Ponto de Cultura Biblioteca Rural e a Oficina Tipográfica Papel do Mato em Rodeio/SC, onde vive atualmente. Foto: Patricia Costa
Próxima Parada: Juan Terrenzi
Próxima Parada é o projeto de literatura da Revista Gulliver idealizado pela escritora, jornalista e artista Patrícia Galelli. Um espaço de difusão semanal de pessoas que escrevem em Santa Catarina sem um recorte de gênero, mas da produção num espaço geográfico, livre de estereótipos e que ganha leitores além das fronteiras. É uma viagem para conhecê-las, cumprimentá-las, acessar um recorte do mundo que criam.