sal nos pulmões
Por Juliana Ben
a poesia não salva
sempre
às vezes
é preciso ancorar outros mares
sacar coragem de outros
lugares
às vezes
são precisas as nossas palavras
outras
perdemos poemas
no ônibus
no quarto
na geladeira
por gosto
porque a vida
pulsa
fico pensando se a poesia salvou Ana C
salvar é manter vivo?
salvar é deixar ir?
salvar é poço ou é mar?
um salve a ti
que com uma mão mata o dragão
e com a outra
abre o coração
quando eu era criança
as bandeiras da praia iam do amarelo ao negro
e os moços que as guiavam
eram chamados de salva-vidas
não existem mais bandeiras negras
na areia
a cor do perigo
agora
é vermelha
e os moços viraram guarda-vidas
perceba a diferença
entre salvar e guardar
a previdência é a bola da vez
vejam só a ironia
a previdência no mar
a previdência na terra
na lama
no dia 7 de fevereiro de 2017
eu me afoguei
no mar
foi tudo muito rápido
eu sabia nadar
eu tinha fôlego pra nadar
mas eu só conseguia gritar
o medo faz isso com a gente
nos afoga
os guarda-vidas eram dois
e foram muito eficientes
saí do mar com vida
saí do mar
com medo
eu não sei bem se foi a água salgada no pulmão
ou estranheza de saber-me viva
fora do mar
mas alguma coisa mudou
nesse dia
dizem que a proximidade com a morte faz isso com a gente
nos afoga
nos salva
a poesia não salga
sempre
porque nem sempre dá pra entrar no mar
nem sempre dá pra escrever
um poema bêbado
que nos traga a dor e a delícia de ser o que é
às vezes
é preciso
cair
cair
cair
e fazer da queda um passo
incontornável
às vezes
é preciso perder tudo
pra achar alguma coisa
é preciso ter consciência
para ter coragem
quando me lembro daquele dia
no mar
com sal nos pulmões
penso que guardar é mais bonito que salvar
a gente guarda o que ama
e salva o que pode
a poesia não salva
a poesia
rompe.
Juliana Ben, nascida das águas de março que fecharam o verão de 1983, é escritora, pisciana, poeta, performer, produtora cultural, antropóloga, professora e dizedora de poesia. Autora dos livros Te encontro nas minhas linhas em branco (Editora Artesanal Alpendre, 2012), Preia-mar (Penalux, 2018), Abrasabarca (Medusa, 2018) e Revoluta (Caiaponte, 2019) é também colaboradora/autora da Revista SubVersa e integrante da Coletiva Abrasabarca. Apresentou poemas e performances no programa Quinta Maldita (Florianópolis), no Sarau da Tainha (Balneário Camboriú), na FestiPoa Literária (Porto Alegre), no SLAM Resistência (Curitiba), no Poesia in concert (SESC/São José) e na Bienal internacional de Curitiba, polo SC (Florianópolis). Juliana, ao lado de Demétrio Panarotto, é idealizadora e produtora do 1º Festival de Literatura PIPA – Pela Ilha Palavra Amplificada -, que aconteceu de 30/10 a 01/11/2019, em Florianópolis. Natural de Porto Alegre/RS, vive em Florianópolis/SC. Foto: Cândice Guzmán.
Próxima Parada: Ana Araújo
Próxima Parada é o projeto de literatura da Revista Gulliver idealizado pela escritora, jornalista e artista Patrícia Galelli. Um espaço de difusão semanal de pessoas que escrevem em Santa Catarina sem um recorte de gênero, mas da produção num espaço geográfico, livre de estereótipos e que ganha leitores além das fronteiras. É uma viagem para conhecê-las, cumprimentá-las, acessar um recorte do mundo que criam.