Próxima Parada: Luciana Tiscoski

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Para Ondina, de uma ilha

Por Luciana Tiscoski

Da dissecação do exemplo de um dennisíaco
quando ossama

“onde o nado desanda a superfície das sombras
em labirintos de tato no outro mundo da água”

radünz

Ondina – Da série Unheimlich, 2005, de Walmor Corrêa

Com dedos de espuma abre passagem no mundo mudo de seres mudos. Seu corpo onda não poderia navegar camas, lençóis, peles secas, perguntas? Não deveria. Mas como saber o corpo fora do molhado de suas transparências, corpo do outro, de perguntas securas espelhos opacos. Não poderia satisfazer desejos que não são os seus… cadeiras de vidro luzes cores lustres fluorescentes os corais onde tudo é possível debaixo de transparências… nada deleitosa seu canto líquido luxuriante nas pernas escamas peroladas que escondem orifício luminescente prestes a ser aberto em cirurgia prótese caso saia com a cabeça para fora d’água e gaste seu encanto com os machos secos ai luxos que ninguém vê debaixo dessa água toda poesia suspeita-se que guarda moedas nas mãos suadas falsas o homem não ela no espelho a ondina nega-se por todas as vezes antes do canto do galo não se deixa enredar não se deixa atracar em margens de ulisses ítacas penélopes desmemórias é o que deseja e filosofa com a natureza quando está no seco no urbano e mito fica máquina desdobra-se e volta a calda peixe emerge de novo a cara pra fora cabelos agora ao vento da noite quando o sorriso do gato ridente preto e rosa fúcsia no céu é engolido lentamente pelas bordas

Os porcos proliferam porque querem, não Ondina? Ficam lá chafurdando no prazer e esquecem de todo o resto que aí está o trabalho dos dias e das noites, calendários, listas de afazeres e deveres. Os porcos só querem comer a flor de lótus. Ondina em ondas aparentada de Circe pergunta a ela afinal como foram seus dias depois que o Ulisses optou por resgatar sua reminiscência tecida e destecida. Os átomos estão no ar, eu sei que há esse sagrado que não vejo, gosto muito de alguns sagrados que não vejo. Ondina, pede a ela que transforme os porcos em homens, que tente o inverso, que tente o verso, talvez porco ele saiba ficar como homem chafurdando, cheirando as trufas, esfregando as peles. E só.

Não sei Ondina, se quero viver comendo flor de lótus porque as flores são muitas e esse mundo me fura em todos os poros me invade em ondas, aparentada com mares
de quereres
o quão infinito
nada o desejo
quando desencantada
virar peixe

Lu Tiscoski
14/07/2018
Ilha do Desterro

Luciana Tiscoski é jornalista, mestre em Literatura Brasileira e doutora em Teoria Literária pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com estágio em doutorado na Université Paris X, Nanterre. Tem pós-doutorado em Artes Visuais (História, Teoria e Crítica) pela Universidade Estadual de Santa Catarina (Udesc).  Publicou ensaios, artigos, poemas e contos em revistas, coletâneas e demais periódicos acadêmicos. É técnica de Cultura do Sesc /SC e membro do coletivo de poetas mulheres Abrasabarca, tendo dois livros de coletâneas poéticas lançados com o coletivo, Abrasabarca (Editora Medusa) e Revoluta (Caiaponte Edições). Foto: Luna Tiscoski Reis.

Próxima Parada: Marta Martins

Próxima Parada é o projeto de literatura da Revista Gulliver idealizado pela escritora, jornalista e artista Patrícia Galelli. Um espaço de difusão semanal de pessoas que escrevem em Santa Catarina sem um recorte de gênero, mas da produção num espaço geográfico, livre de estereótipos e que ganha leitores além das fronteiras. É uma viagem para conhecê-las, cumprimentá-las, acessar um recorte do mundo que criam.

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