Uma viagem escrita no leitor, dentro da sua percepção, a cada novo texto: é o projeto Próxima Parada, que passa a integrar a editoria de Literatura aqui na Revista Gulliver. Para essas errâncias da leitura, convido pessoas que escrevem em Santa Catarina a pararem neste espaço de difusão. Não se trata de um recorte de gênero, mas da produção num espaço geográfico, livre de estereótipos e que ganha leitores além das fronteiras. É uma viagem para conhecê-las, cumprimentá-las, acessar um recorte do mundo que criam.
Pelas linhas e conexões possíveis, uma viagem sem ponto de chegada, sem precisão de comprar nenhum bilhete. O que não muda em relação a outros tipos de viagem é que essa também não começa sem um ponto de partida. Por isso, o projeto Próxima Parada é lançado com nosso reconhecimento à vida e ao trabalho de uma mulher inspiradora: Eglê Malheiros.
Nascida em Tubarão (SC), em 1928, Eglê Malheiros é escritora, professora, crítica de arte e tradutora. Vive hoje com a família em Brasília. Foi uma das fundadoras do Círculo de Arte Moderna (CAM), única mulher participante do Grupo Sul. Participou ativamente nas 29 edições da revista SUL, que circulou de 1948 a 1957, com um trigésimo número especial em 2004. Publica seu livro de poemas Manhã em 1952. Atriz, foi também co-autora, com Salim Miguel, do argumento do filme O preço da ilusão (1958), primeiro longa-metragem catarinense. Também foi a primeira mulher no estado a se formar em Direito, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Escreveu a peça teatral Vozes veladas (1996), a partir da vida e obra do poeta negro Cruz e Sousa.
Professora de História, foi perseguida durante o golpe militar de 1964, impedida de lecionar por 16 anos. Nunca deixou de lutar pela justiça e pelo que acredita. Nunca perdeu a delicadeza e nos traz a força do amor no poema Sem título (1956), que dá início a este projeto. Poema que escreveu por ocasião do aniversário de Salim Miguel, seu companheiro de vida, que morreu em 2016, aos 92 anos.
Eglê Malheiros é ponto de partida, porque faz sempre lembrar que a arte é um modo de vida que não tolera o existir sem liberdade. Que o limite para a arte, a poesia e a reflexão é o mundo inteiro. Porque não nos deixa esquecer a força que é “sonhar um mundo fraterno, solidário e de paz”.
E porque enquanto atravessamos e somos atravessados por este tempo pandêmico e de desesperanças, suas palavras – como publicadas na edição especial da revista SUL, em 2004 — nos fazem lembrar que também “[…] Somos teimosos, igual a capim-tiririca, tantos sóis e tantas luas passados, continuamos, tentando contribuir para uma cultura popular e democrática, de muitas vozes e muitos ritmos, que seja instrumento de libertação e afirmação humanista”.
A todos, meu convite para que façam esta viagem e aproveitem cada próxima parada aqui na Revista Gulliver.
Patrícia Galelli.
PS: o e-book Manhã e outros poemas, edição comemorativa dos 90 anos de Eglê Malheiros, completados em 2018, e que reúne toda a sua obra poética, pode ser acessado gratuitamente neste link. Uma edição caseira, feita por sua filha e seus filhos, noras, netas e netos, com textos afetuosos, respeitosos e orgulhosos da existência e da trajetória de Eglê. Assim aproveito para ressaltar meu agradecimento à Eglê e à sua família, que nos enviou o poema escolhido e nos permitiu prestar esta singela homenagem.