Há algo que fascina no exótico. Existe uma curiosidade no que não se pode explicar completamente, no que é difuso, no peculiar, no carisma que transcende personalidades. É comum que o ser humano observe o caos com algum tipo de interesse. Afinal, a anarquia tanto de personagens como Moondog (do engraçadíssimo e profundo novo filme de Harmony Korine, The Beach Bum) quanto de criminosos como Charles Manson nos instigam a compreender a fuga da realidade como conhecemos. Que tipo de mundo particular e existencial aquelas pessoas vivem!?
Com uma bíblia tapando sua genitália, em Charlie Says, Manson nos invoca a rejeição dos bons costumes, da sua repulsa ao que é tido como o correto, em princípio. Ele reside numa época própria para estimular jovens desiludidos a embarcar numa seita que mostre a contramão de algo estabelecido. Há algo extremamente incômodo e perturbador em Charlie Says, um título que já aponta o cinismo convidativo de um jogo em que “o mestre manda e você obedece”; está no som, na atmosfera e, idem, na sensibilidade com que Mary Harron encara o caos acolhedor. Na trilha de assassinatos que três garotas estão entrando, à primeira vista, observa-se uma contracultura que incide naturalmente sobre a ingenuidade de jovens dispostas a procurar o diferente, ainda que não saibam aonde vão. É fácil, sob esta ótica, compreender a vulnerabilidade daquele mundo, embora os tons de vermelho sugiram ao contrário. Antes de tudo, há uma liberdade na sordidez do Manson presente na narrativa de Harron. A diretora avisa: você entra no inferno, mesmo que não o reconheça. Sintomático que, aos poucos, descubra-se o fim da jornada (talvez, a primeira cena que indique seja a de alguém cortando um cordão umbilical com os dentes). Charlie Says representa a corrupção de uma inocência. Invoca a curiosidade pela morbidez, pela depravação e pelo incomum, nesta perspectiva.
Solitário em espaços amplos, Robert Mapplethorpe é, em uma concepção menos extrema, outra figura que estimula o debate do controverso. Um fotógrafo que decide expor a sexualidade masculina sem tabus, evidenciando pênis, bundas e corpos com uma adoração particular. Manson prefere a sexualidade de meninas inocentes, denunciando sua personalidade abusiva, enquanto Mapplethorpe procura a devassidão, o dantesco e a sexualidade como arte.
Em determinado instante de Charlie Says, Manson pergunta para uma das mulheres qual parte ela não gosta em seu corpo. É exatamente ali que ele a beija. Mapplethorpe encontra atração no corpo nu sem que precise perguntar ou dizer nada. A câmera é seu ensaio sobre o sexo. O instrumento que usa para encontrar seus seguidores. Robert enxerga na ruptura familiar a fuga para ser quem gostaria de ser, jamais abandonando, por outro lado, a intenção de contracultura, de expor hipocrisias, de debochar instituições. “Evil” sobre os corpos nus de uma cama de Robert não fala sobre sua não aceitação como bissexual, mas sobre o seu cinismo com o passado cristão. É uma alma “torturada” pela sua criatividade e liberdade, ainda que permaneça romântico.
Ambos personagens são tecidos por um incrível Matt Smith, que parece ter encontrado um carinho genuíno pelo controverso – algo que vem desde sua atuação em Ventre, com Eva Green, que discorre sobre uma mulher que dá a luz ao namorado morto para poder tê-lo de volta. Dono de sobrancelhas levemente apagadas, o britânico possui um destes rostos que nos trazem uma sensação de singularidade. Enquanto, a sua concepção de Manson intriga pelo caráter messiânico, onde intercede suas cerimônias com músicas que ofuscam brevemente os anseios criminosos do personagem. A excelente Marianne Rendón é Susan Atkins, uma das três apóstolas de Manson. É Rendón também que contracena com Smith no excelente Mapplethorpe, onde a construção do seu personagem é muito mais óbvia e brilhante. Há algo que persegue Smith, no filme sobre o fotógrafo: o romântico. Robert tanta fugir de sua família ao demonstrar o que todas as famílias querem esconder: o sexo, nosso corpo e nosso fetiche. Mas se comunicando contra a sua, ele não a deixa no passado. Ele orienta sua vida por essa definição de fuga, assim se sente preso a relacionamentos com resquícios familiares – como mostra seu envolvimento com Patti Smith ou Sam. Se eles o abandonassem por completo, a sua família também o abandonaria – uma última vez. A complexidade de sua persona o torna um dos personagens mais exóticos de 2019, assim como Matt Smith.