Quando tudo isso acabar é título da publicação que lanço hoje, aqui na Ttéia. Ela foi desenvolvida a partir de 31 colagens e desenhos a nanquim e lápis dermatográfico, correspondentes ao meu primeiro mês de quarentena. Construídos dia a dia, esses desenhos foram elaborados com a finalidade de apresentar reflexões sobre arte, política e história, mas também de externar alguns medos e angústias que têm habitado nossa casa e nossos corpos durante a pandemia.
São imagens que provocam discussões sobre outras dimensões temporais e espaciais, que discutem a linguagem, o gesto, a arte e a complexidade que existe entre o pensar e o desenhar, o desenhar e o sentir, o escrever e o imaginar. Dessa forma, tentei abordar temas, situações, reportagens, trabalhos de artistas, fotografias, conversas, postagens e demais situações que, de alguma forma, me atravessaram durante o primeiro mês de quarentena. São tempos de desassossego que seguem nos estapeando diariamente.
A mim, interessa compreender como os corpos têm ocupado os espaços públicos e privados, criando novas coreografias e cartografias; como as notícias diárias sobre a pandemia produzem outras possibilidades de contagem do tempo, das pessoas e da vida. Quando tudo isso acabar é uma das frases mais escritas e faladas no meu ciclo social, é uma frase que produz alguma esperança de que iremos retornar ao que éramos, ela produz um tipo de irrealidade e de engano. E é disso que precisamos, muitas vezes, pra seguir adiante, pra não sucumbir.
Agora me ocorreu uma frase elaborada pelo coletivo O Tropicalista em uma das aulas que dei aqui em casa: Fingir normal. É um pouco (ou muito) disso que se trata viver, afinal, não é? Seguimos tocando nossas vidinhas, todos os dias, fingindo normal, fingindo que a Amazônia segue virgem, fingindo que o que digerimos não interfere na paisagem, fingindo que não somos predadores, fingindo tanto que o fingimento passa a ser esse tal do “novo normal”, como andam dizendo por aí. Mas voltando à publicação — afinal é sobre ela que se trata esta postagem —, finalizo dizendo que o surgimento se deu a partir das discussões no Grupo de Estudos: Práticas Artísticas, Políticas e Curatoriais que coordeno desde janeiro de 2019 no CAIS, que é também minha casa nas horas vagas.
E aqui está a publicação, em alta resolução, gratuita e na íntegra pra que vocês baixem, visualizem, compartilhem.
Kamilla Nunes é artista, curadora independente, crítica de arte e professora, atualmente doutoranda no Programa de Pós-Graduação do Ceart/Udesc. Foi gestora do Espaço Embarcação, em Florianópolis [2015 a 2018], curadora do Espaço Cultural O Sítio [2015] e diretora do Instituto Meyer Filho [2010 a 2014]. Integrou o grupo de curadoria de Frestas Trienal de Artes [SESC, 2014, Sorocaba] e idealizou a Rede Artéria em parceria com o artista Bruno Vilela. É curadora do programa de exposições do Memorial Meyer Filho desde 2008 e autora do livro Espaços autônomos de arte contemporânea (2013). Atualmente pesquisa e ministra aulas sobre Arte Brasileira Contemporânea e está desenvolvendo um processo de criação que fricciona campos do conhecimento, como a psicanálise e o materialismo histórico.