13 de maio: a sabedoria ancestral de pretos velhos

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Arte de Vivi Campelo, artista criadora do perfil Lomblinhas.

Para alguns cultos de matriz afro-brasileira, como a Umbanda, 13 de maio é um dia festivo e de celebração de pretos velhos, entidades espirituais que representam a sabedoria ancestral e se apresentam sob o arquétipo de velhos que viveram nas senzalas. É dia de comer feijão, tomar café, de se reunir em torno de ensinamentos sobre resiliência e fé. Assim como o movimento de luta do povo negro no país ressiginificou a data oficial de “abolição” da escravidão com a assinatura da Lei Áurea, para os religiosos é dia de lembrar a liberdade.

— Essa significação pelos cultos de matriz africana se deve ao quanto sofreram os mais velhos no período de escravidão no Brasil. Ficou como uma data para lembrar o quanto os negros e negras velhas sonhavam com o dia da liberdade — diz Vanda Pinedo, professora, militante do movimento negro e integrante do Fórum de Religiões de Matiz Africana da Grande Florianópolis.

Na cosmologia umbandista, pretos e pretas velhas representam o espírito de superação e transcendência de toda a tortura e sofrimento vividos por negros e negras escravizados no passado. São guias mediúnicos, seres de luz que carregam os princípios da sabedoria e da experiência.

— Essas entidades idosas mantêm vínculos muitos fortes com velhos e velhas do período colonial brasileiro. Na umbanda, temos no campo dos orixás a entidade chamada Nanã Morukê, que é a orixá mais velha [na umbanda, orixás são vibrações na natureza]. No campo das entidades espirituais, temos os caboclos, que representam os indígenas, e os pretos velhos. Pretos velhos não são orixás. São entidades ligadas à perspectiva do espiritismo porque já viveram algum tempo entre nós. São espíritos que se manifestam para trazer algum tipo de aconselhamento pela experiência que têm — explica a pesquisadora Jeruse Romão.

A maioria é chamada de pai, mãe, vô, vó ou tio e tia: Pai Joaquim, Vô Antônio, Vó Ana, Tio Francisco, por exemplo. São os nomes como ficaram conhecidos ao serem batizados no Brasil. Alguns fazem referência ao seu país ou região de origem na África: Vó Maria de Angola, Vó Maria Conga etc. Geralmente manifestam-se demonstrando que são velhos quando incorporados em algum médium: andam devagar, às vezes apoiados por bengalas, gestos lentos, pensam muito antes de falar.

São resilientes e ensinam o sofrimento como processo de construção mental e resistência. Ensinam a não dar troco à violência recebida, são pacificadores.

— Eles são conselheiros e conciliadores, tranquilizam diante das mazelas da vida. Guardam a sabedoria, as histórias passadas. Como as pessoas mais velhas, assumem essa figura que transita entre o material e o espiritual — ensina Vanda Pinedo.

Vovó não quer casca de coco no terreiro,
Vovó não quer casca de coco no terreiro,
Pra não lembrar do tempo do cativeiro,
Pra não lembrar do tempo do cativeiro.


Muitos pontos e canções da música popular fazem menção aos tempos de senzala, como a canção Casca de Coco, dos Originais do Samba.

Fitoterapia, rezas e conexão

Ao falar sobre a dimensão de cura e conhecimento das rezas e plantas dos pretos velhos, a pesquisadora Jeruse Romão lembra da avó, moradora do Morro da Caixa, bairro hoje conhecido como Monte Serrat, no Maciço do Morro da Cruz, região central de Florianópolis. Ela lembra que a avó atendia na comunidade benzendo crianças, mulheres “recém-paridas”. Curava desde cobreiro a arca caída, indicando chás para dor de barriga, cólica.

— Pretos velhos carregam muito vínculo com outras culturas étnicas. Muitas das orações sabidas na prática das benzedeiras açorianas eram/são também feitas pelos curandeiros e curandeiras negras. Eles trazem conteúdos que as gerações contemporâneas perderam sobre o rezar. São também bons em passes mediúnicos: pela energia das mãos, são capazes de enviar bons fluidos para aliviar o corpo físico e espiritual — diz Jeruse.

Inclusive usam como instrumentos ritualísticos a bengala para se apoiar, o rosário feito com as sementes de Lágrima de Nossa Senhora, o crucifixo, chapéu de palha, um cigarro de palha.  

— Dentro da dimensão fitoterápica, são capazes de nos ajudar no uso de ervas. Os pretos velhos têm respeito pelas plantas, animais e todos os elementos da natureza. Não é raro encontrar nas mãos dos pretos velhos, quando estão benzendo, ervas frescas como arruda, guiné, alecrim, salvia, manejericão. São ervas cujos cheiros e propriedades fitoterápicas e mediúnicas servem como curativos espirituais, como limpeza — detalha Jeruse.

A tolerância religiosa ainda é uma utopia

A Umbanda, assim como o Batuque e o Omolokô, entre outras, são variações das religiões de matriz afro-brasileira e cultuam entidades como pretos velhos. Denominam-se afro-brasileiras porque foram consolidadas no território brasileiro e sincretizam com outras práticas religiosas, como espiritismo e catolicismo. É diferente do Candomblé, por exemplo, religião ligada às práticas religiosas com base nos ritos africanos essencialmente.

Na região da Grande Florianópolis, o primeiro terreiro de umbanda é da década de 1940, fundado pela Mãe Malvina no bairro Coloninha.

— A mãe Malvina é aquela a quem se reporta a origem desse território organizado, espacializado e estruturado como terreiro. É lá que começa a história da origem dos terreiros de matriz africana em Florianópolis e que depois vai refletir na criação de terreiros em Blumenau, Itajaí e outras cidades — detalha a pesquisadora Jeruse Romão.

Não existem dados oficiais em relação ao número de terreiros em Santa Catarina, isso porque muitas pessoas têm medo de se identificar. A estimativa é que existam 2 mil na Grande Florianópolis, segundo o Fórum das Religiões de Matriz Africana.

O Núcleo de Estudos de Identidades e Relações Interétnicas, da UFSC, realizou um importante mapeamento que resultou no livro Territórios do Axé: religiões de matriz africana em Florianópolis e municípios vizinhos, de 2017. Na Grande Florianópolis, três organizações são atuantes, principalmente no combate à intolerância: Fórum das Religiões de Matriz Africana, a Associação dos Terreiros de Umbanda de Almas e Angola e a Uniafro.  

— Temos uma luta diária. O Fórum das Religiões de Matriz Africana tem um papel muito árduo no combate ao desrespeito e ao racismo religioso — lamenta Vanda, integrante Fórum.

Na Capital, já foram denunciados um sem número de casos de depredações de templos, imagens e até repressão policial em razão de barulho. O cotidiano do povo de santo passa por todo tipo de de humilhação e desrespeito.

— Temos que combater todos os dias o desrespeito ao direito do outro ser como ele é — conclui.

Griots: nossos guardiões dos saberes e fazeres

Um velho ditado africano diz que quando um velho morre, uma biblioteca morre junto. O adágio ganha evidência no dia em que se festejam Pretos e Pretas Velhas, e também num cenário de pandemia em que idosos são parte do grupo de risco.

— Na África existe a figura dos Griots. Eles são os mestres portadores de saberes e fazeres da cultura, das histórias. Os mais velhos são nossas bibliotecas do ontem, do hoje e são evoluídos o suficiente para nos ajudar a pensar sobre o amanhã. Embora a sociedades contemporâneas tenham cada vez mais estimulado o respeito à terceira idade, ao mesmo tempo não reconhecem a importância dos idosos. Talvez represente uma última geração da minha família que tem ligação com a nossa ancestralidade. Percebo que estamos perdendo a figura do Griot. Não importa se é italiano, português, alemão, africano ou índio. O que importa é que quando os Griots faltam, todos perdem. Porque falta essa experiência sábia para mediar conflitos — pontua Jeruse Romão.

Para Vanda Pinedo, não respeitar os mais velhos é também não respeitar a continuidade.

— Vivemos um governo que não respeita a cultura, a continuidade, a tradição. Não respeitar o mais velho é tão comum quanto escolher quem vai morrer primeiro. A gente se constrói com as falas, com os exemplos que nos dão os mais velhos. Quando perdemos um idoso, perdemos um pouco do nosso chão. Todos estamos de passagem, mas queremos que seja uma boa passagem, que seja uma vida respeitada. É preciso preservar a vida dos seres humanos, sem distinção. E a seletividade infelizmente está colocada na sociedade brasileira: se não morre de velho, o negro morre jovem de tiro. É o povo negro que está na linha entre quem morre e quem vive.

Você sabia?

A Umbanda sintetiza elementos das crenças cristãs (catolicismo, espiritismo), africanas (tradição dos orixás) e indígenas. Surgiu em 1908, nos subúrbios do Rio de Janeiro. Em 15 de novembro de 1908, o então jovem médium Zélio Fernandino de Moraes incorporou o Caboclo das Sete Encruzilhadas, espírito de luz que ajudou a criar a religião.

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