Entrevista: prefeito Gean Loureiro fala sobre a situação da cultura em Florianópolis

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Gean Loureiro. Reprodução / Facebook

Quando se candidatou à Prefeitura de Florianópolis, Gean Loureiro dedicou uma página e meia à cultura em sua proposta de governo. O programa do então candidato não detalhou ações, mas se comprometeu a “adotar a Economia Criativa como uma das estratégias de desenvolvimento para Florianópolis”, entre outros pontos. Passados três anos e quase cinco meses de gestão, o agora prefeito citou o Edital de Apoio às Culturas e o Festival de Teatro Isnard Azevedo como pontos positivos de seu mandato na área cultural, além do “ganho na administração dos espaços culturais do município.”

Por outro lado, a classe cultural da cidade vem reivindicando mais atenção e comprometimento com políticas públicas estruturantes: desde indicadores precisos — o IDCult, repositório de dados sobre a cultura em Florianópolis, está desatualizado há três anos; e o Observatório de Política Cultural, citado por Loureiro na entrevista abaixo, não tinha disponível até o dia 27/5 nenhum relatório no site Prefeitura — até a continuidade de editais de fomento ao setor. O setor audiovisual, por exemplo, indústria fundamental para a economia criativa, não tem edital desde 2014. O Prêmio Armando Carreirão é um dos principais instrumentos de apoio à produção audiovisual e está previsto em lei para ser realizado anualmente.

— Não houve política estruturante, e sim de promoção de eventos — avalia o produtor cultural e conselheiro municipal Marcelo Seixas.

Com a pandemia, a situação se agravou. No dia 15 de maio, o Fórum Setorial Permanente de Artes Cênicas de Florianópolis divulgou uma carta/vídeo aberta em que reivindicou ao poder público renda emergencial aos artistas, ajuda de custo para manutenção de espaços e garantia de pagamento e execução do Edital do Fundo Municipal de Cultura de 2020, entre outras medidas e sugestões. No vídeo, artistas perguntaram: “prefeito, o senhor sabe quem somos nós?”

Nesta entrevista, Gean Loureiro responde a algumas das questões feitas pelos artistas e fala sobre as iniciativas de sua gestão. As perguntas foram respondidas no dia 20 de maio. Leia:

No dia 15 de maio, a Setorial de Artes Cênicas divulgou uma carta/vídeo aberta com pedido de apoio à classe artística da cidade. Qual o plano para retomada do setor, um dos mais afetados pela pandemia? A prefeitura fez algum levantamento do prejuízo?

A prefeitura organizou um comitê de crise da cultura que está sistematizando, com a ajuda do Conselho Municipal de Cultura, dados estatísticos sobre as condições das setoriais que compõem o Conselho. E, a partir desses dados, encaminhar propostas emergenciais para que possa atender toda a classe artística. De imediato, estamos juntamente com o Conselho entregando cestas básicas a todos da classe artística que estão precisando. Já ofertamos mais 190 cestas básicas nesse primeiro momento, e iremos ampliar ainda mais conforme necessidades apontadas. Além disso, iremos realizar toda a logística de entrega das cestas básicas, também conforme solicitação do Conselho.

Na abertura do vídeo, artistas fazem alguns questionamentos. Quais espaços culturais da cidade o senhor frequenta? Quais artistas da cidade gosta e acompanha?

Sim, acompanho todos os espaços artísticos da cidade, principalmente os que são geridos pela Prefeitura através da Fundação Franklin Casacaes: Centro Cultural Bento Silvério, Centro de Documentação e Pesquisa Casa da Memória, Galeria de artes do Mercado Público, Galeria de artes Pedro Paulo Vechietti, Arquivo Histórico,  Escola Livre de Artes e o Museu da Cidade, localizado na Casa da Câmara e Cadeia. Ressalto que não somente conheço como também visito cada um deles nos eventos e atividades. Além disso, sabendo de toda a necessidade de manutenção dos espaços e de revitalizações que as construções não receberam nas últimas gestões, estamos com o projeto para reforma do Centro Cultural Bento Silvério (Lagoa da Conceição) para iniciar, assim como do Teatro da UBRO, do Centro de Documentação e Pesquisa Casa da Memória e Arquivo Históricos — os quais foram suspensos temporariamente por causa da pandemia, mas que serão retomados tão em breve.

O senhor conhece a produção audiovisual de Florianópolis? Quais produções assistiu recentemente? O que achou?

Sim, conheço boa parte das produções de audiovisual realizadas em Florianópolis por meio do Funcine. O Funcine foi criado em 1989 pela Lei Municipal nº 3252. Visa ao planejamento e fomento de programas e projetos para o audiovisual em Florianópolis. Além de oferecer apoio técnico para a produção de conteúdos audiovisuais, fomenta o setor por meio de editais públicos como o Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual Armando Carreirão, que tem viabilizado a criação de dezenas de curtas metragens desde a primeira edição em 2004. Estamos neste momento estudando com o Conselho as readequações do edital Armando Carreirão para que possamos lançá-lo. Além disso, estamos também com uma comissão do Audiovisual de Florianópolis, com representação de diversas áreas, inclusive do poder público, estudando e elaborando um protocolo para liberação das atividades conectadas à produção audiovisual. Esse protocolo será elaborado,  aprovado e publicado em regime de urgência para que possamos retomar o quanto antes as atividades do setor. Irá prever o número de pessoas no local das filmagens, as normas básicas necessárias para que uma produção — seja ela de publicidade, cinema ou TV —, possa ocorrer com o devido controle sanitário. Quanto às produções locais, as que mais gosto e destaco são Limiares (documentário), de Sandra Meyer; Quem disse que eu vou para casa hoje (ficção), de Marco Stroisch; e Crisálida, de Alessandra da Rosa Pinho — em exibição pela Netflix. Ressalto que a qualidade dessas não ofuscam em nada as demais produções, as quais também são excelentes, porém são essas as que mais me chamaram a atenção.

Cena de Cascaes Documentarista, de José Rafael Mamigonian. Curta premiado na última n última edição do Prêmio Funcine de Produção Audiovisual Armando Carreirão, de 2014.

O audiovisual, aliás, atividade importante da economia criativa, está há anos sem edital. Por que não foi possível lançar o Prêmio Armando Carreirão? Alguma previsão?

Estive reunido com o setor e pudemos encaminhar algumas questões importantes para que possamos lançar um edital emergencial, posto que considerando o atual contexto de pandemia, seria mais viável e justificável para o momento e para o setor. Para tanto, estamos, juntamente com o setor estudando novas diretrizes para o edital, sugerindo, por exemplo, a inclusão de novas categorias e critério específicos que contemplem o atual contexto.

Em seu plano de governo, nas propostas para cultura está, entre outras, a intenção de “promover programas e ações que assegurem o acesso aos bens, serviços e produtos da cultura, e a liberdade de expressão de grupos minoritários e comunidades em situações de exclusão social ou de vulnerabilidade, ou ainda que envolvam questões de gênero, orientação sexual e etnia.” Poderia citar as iniciativas vinculadas a essa proposta realizadas nos três anos de gestão?

Sim, temos várias delas, mas a de maior expressão foi o Edital de Apoio às Culturas, realizado no último ano. Além de contemplar o maior número de projetos até então, foi o que mais recebeu investimentos da prefeitura desde a sua criação. Tivemos inúmeros projetos e ações de diversas linguagens que contemplaram temas extremamente relevantes para o campo social, como também para o campo artístico e estético de nossa cidade. Além disso, lançamos alguns editais de apresentações artísticas e culturais e realizamos o maior Festival de Teatro de toda a história de Florianópolis, o 24º Isnard Azevedo. Foi maior em todos os sentidos: investimento, dias de festival e números de grupos de teatro, atores e apresentações. Sem falar, é claro, da Maratona Fotográfica, que ocorreu em todos os anos, dos editais de exposições das galerias, da realização do Ciclo do Divino e de tantas outras atividades.

Ainda sobre o que foi proposto no plano de governo e o que foi executado nesses quase três anos e meio de gestão, o senhor está satisfeito com os resultados? Pode elencar o que considera ganhos para a área cultural?

Como prefeito nunca estou satisfeito, pois sempre irei fazer o melhor a cada novo projeto. Portanto, ao final de cada realização, considerando sempre os dados do projeto, estudo com a minha equipe possíveis inovações e encaminhamentos para os projetos futuros. Sinto-me feliz com a cultura, pois conseguimos retomar muitos projetos que estavam adormecidos, como o Edital de Apoio às Culturas e o próprio Festival de Teatro Isnard Azevedo. Outro aspecto que considero como ganho nessa gestão foi a administração dos espaços culturais, todos eles receberam os devidos cuidados administrativos para que pudessem alavancar nos serviços. Por exemplo o Centro de Documentação e Pesquisa Casa da Memória, que recebeu todo um mobiliário novo, novos protocolos de ação junto ao acervo e estruturação do regimento interno quanto aos trabalhos de pesquisa. Além disso, destaco a administração junto ao teatro da UBRO, que passou a lançar editais para ocupação dos espaços, assim como as galerias de arte. Outro feito muito significativo para a cidade foi a inauguração do Museu da Cidade, que ficou belíssimo e receberá todo um acervo importante para a cidade e a criação da Galeria de Artes do Mercado Público.

Como é o diálogo do seu governo com a classe artística? O senhor acha satisfatório? Foi mencionado que a reunião com o Conselho de Política Cultural, realizado no dia 7 de maio, foi uma das primeiras do senhor com a equipe.

Sempre recebi o Conselho de Cultura em meu gabinete, seja para alinharmos projetos e sobre o próprio Plano Municipal de Cultura, como também para atender as demandas emergenciais da classe. Além disso, sempre tivemos um bom diálogo com os artistas de Florianópolis.

O IDCult está desatualizado há alguns anos. A PMF tem algum mapeamento, indicadores do setor? Até mesmo para comparar o avanço do começo ao final da gestão?

Sim, nesta gestão criamos um setor na Fundação Franklin Cascaes que se chama Observatório de Políticas Culturais. O objetivo é produzir informações e conhecimentos, gerar possíveis experiências e experimentações e fomentar dados estatísticos para a construção de políticas permanentes de cultura. Além, é claro, de promover extensões de natureza multidisciplinar e interinstitucional, cuja finalidade será a cultura como dimensão central de organização e funcionamento da vida dos florianopolitanos —seja enquanto grupos, comunidades ou individualmente. Quanto ao IDCult, em reunião com o Conselho, encaminhamos com a Superintendência de Ciência, Tecnologia e Inovação, a possibilidade de viabilização do mapeamento e criação de um cadastro semelhante, porém gestado dentro do servidor da Prefeitura. Isso facilitará a gestão dos dados, porque não precisaremos alocar em servidores terceirizados.

Em julho do ano passado a PMF lançou o projeto Cultura pra Valer e a promessa de investimentos de mais de R$ 8 milhões. Quais os resultados? Como foram feitos os investimentos?

Com relação aos R$ 8 milhões foram executados :
– R$ 140 mil com convênios das comunidades que realizam as festas do divino
– R$ 30 mil com editais para as galerias
– R$ 3,8 mil para o edital do Mural da Cultura nos painéis do mercado público
– R$ 800 mil com o edital do Fundo de Cultura
– R$ 1,6 milhão para projetos da Lei de Incentivo: Maratona Cultural,  Mural Cisne Negro, Franklin Cascaes, Hoje é Dia de Jazz Bebê, Orquestra de Baterias, entre outros
– R$ 50 mil para Maratona Fotográfica
– R$ 135 mil edital de apresentações culturais: como boi de mamão, bandas centenárias,  danças afro, açoriana, música
– R$ 600 mil na realização do Floripa Teatro – 24⁰ Festival Isnard Azevedo
– R$ 300 mil Escola Livre de Artes de Florianópolis
– R$ 40 mil em material gráficos
– R$ 1,1 milhão para Edital de Apoio às Culturas 2019 / 2020 em andamento
– R$ 182 mil em compra de equipamentos para o teatro da UBRO, já licitados para entrega
– R$ 189,2 mil com projetos em parceria com o Sephan/ Ipuf  em arte pública
– R$ 3, 4 milhões para as obras do Casarão Bento Silvério (já licitado para iniciar ), e as demais em fase de conclusão de projeto na secretaria de Infraestrutura )
– R$ 30 mil para compra de livros
– R$ 70 mil para um CD e DVD de Boi (sic) e Terno de Reis
– R$ 150 mil para apresentações artísticas: seria lançando do final para início do ano foi interrompido com a pandemia.

Para o senhor, o que é cultura?

Cultura é um conceito muito amplo, pois tudo o que fazemos é cultura, seja nos processos educacionais, como também nos processos de segurança, saúde, assistência. Nesse sentido, a cultura sempre será um vetor transversal da política pública. Isso porque ela atravessa todos os serviços públicos e essenciais de nossa cidade. Assim sendo, a cultura em meu governo sempre considerará todo o complexo de conhecimentos, de arte, de crenças, de lei, de costumes, de hábitos e aptidões adquiridos pelos florianopolitanos.

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