Gestação e parto para homens: conheça o criador do projeto Homem Paterno

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Iara estava prestes a nascer, há quase três anos, quando o naturólogo Tiago Koch se viu diante de uma verdade inglória: quase não existem informações sobre como os homens podem (e devem) ocupar o lugar de pai durante e depois da gestação — as mulheres, afinal, embora coloquem o corpo à disposição para criar uma nova vida, não são únicas nesse processo. Acima de tudo, queria compartilhar medos, anseios e dúvidas: “estou pronto?”, “serei um bom pai?” Foi aí que nasceu o Homem Paterno, inicialmente a partir do compartilhamento de informações pelo Instagram e hoje como um projeto que abrange pesquisa, palestras, grupos de homens e cursos realizados em todo o Brasil.

As turmas são voltadas para homens “tentantes” e homens “grávidos”, independente da semana gestacional da parceira. Nos encontros são falados e até vivenciados os aspectos psicológicos e fisiológicos da mulher na gestação, no parto e no puerpério e, claro, o papel do homem em cada fase, o sexo durante e após a gestação e outros assuntos tabus. O canal no Instagram hoje ganhou corpo e funciona como uma referência em assuntos voltados para a paternidade. Curiosamente, 73% dos seguidores são mulheres.

Se existem estranhamento e resistência por partes dos homens? Ainda sim, infelizmente.  

— Muitos homens já enxergam a necessidade de, no mínimo, questionar, rever esses padrões que são machistas e patriarcais e que fazem com que a gente carregue uma armadura pesada. Existe sim grande resistência e estranhamento. É cômodo não mudar e sustentar padrões milenares. Mas acho que já existe um movimento de homens buscando novos caminhos — comemora o naturólogo.

Em entrevista, o pai da Iara, companheiro da Bruna e naturólgo fala dos frutos que já colheu e da longa caminhada da paternidade plena.

Qual é o perfil dos pais que participam do curso?

O principal perfil é de homens  que estão vivenciando a paternidade pela primeira vez , com idade entre 24 a 35 anos. Mas já passaram pelo curso homens mais novos e também homens mais velhos que já possuem filhos. Em comum, uma grande parcela não tem referências paternas positivas, o que os motiva a buscar mais conhecimento sobre essa nova fase da vida.

Outro ponto interessante é que um número expressivo das inscrições é realizado pelas parceiras dos participantes. No começo me gerava um grande estranhamento, mas hoje enxergo como o caminho natural para algo que é tão novo. As mulheres pesquisam e fazem o convite para os seus parceiros. Muitas inclusive oferecem como presente.

Como é a reação dos homens diante dessa provocação a se “desconstruir”? Você identifica algum tipo de resistência ou estranhamento?

Vejo que já existe aceitação cada vez maior. Muitos homens já enxergam a necessidade de, no mínimo, questionar, rever esses padrões que são machistas e patriarcais e que fazem com que a gente carregue uma armadura pesada. Vejo muitos homens já nesse caminho, talvez ainda não exercendo e tendo isso como prioridade. Mas eu vejo que existe uma grande parcela de homens se questionando sobre construção, o que deseja replicar… Até porque as mulheres estão ocupando lugares antes exclusivamente de homens. Isso traz uma necessidade de nós, homens, refletirmos sobre nosso lugar e nossas posturas.

Tiago Koch

O perfil do projeto no Instagram tem mais interação de mulheres. Por que você acha que isso acontece?

Existe uma interação maior das mulheres: elas representam 73% dos seguidores. Isso é notável e hoje entendo como movimento natural. As mulheres estão mais engajadas e buscam mais conhecimentos relacionados a assuntos profundos, principalmente sobre gestação, parto, puerpério. E também relacionados a questões relacionadas ao feminismo. Mas vejo também um movimento de homens buscando espaços e lugares que falem de novas possibilidades de masculinidade. Vejo um crescimento estruturado e organizado.

Conta um pouco a história de como começou esse projeto e por quê?

Nasceu inicialmente dentro de uma necessidade individual minha de encontrar meu lugar enquanto pai, durante a gestação e puerpério. Me vi buscando conhecimentos e conteúdos e não achava nada que falasse comigo, sobre o lugar do pai e do homem nessas fases da vida, o que fazer e não fazer, como ocupar esse lugar. Não encontrava nada relacionado inclusive aos medos, anseios, dúvidas. Me deparei com um cenário nebuloso. Depois que a Iara nasceu, passei pelo puerpério, eu e minha esposa, e foi bem desafiador, principalmente o primeiro ano. Me vi com vontade de falar sobre minha experiência com paternidade, desafios como pai e homem. O projeto Homem Paterno nasceu a partir do momento que comecei a participar de grupos de homens e vi que era possível conversar sobre isso, falar de assuntos profundos.
 
Sempre falamos sobre paternidade a partir da relação do filho / filha com o pai, mas pouco se fala das relações em si, dessa nova dinâmica familiar e nova dinâmica da relação entre o homem e a mulher. O projeto nasceu com esse objetivo de oferecer orientação, suporte e acompanhamento de homens para esses períodos. Tem sido lindo caminho.

Quais as principais dificuldades narradas pelos futuros pais?

Muitos trazem a falta de conteúdos e espaços que contemplem os homens como grande desafio. Normalmente os encontros sobre gestação e parto são realizados por grupos femininos,  e mesmo sendo convidados, a maioria dos homens não se sente à vontade para fazer perguntas ou dar opiniões. Percebo também  que existe um grande desconhecimento sobre o universo da gestação, parto e puerpério, desde os aspectos fisiológicos aos psicológicos e os socais. Muitos não sabem realmente qual seu papel e como devem agir.

Relatam também uma grande dificuldade em falar com os amigos sobre temas mais profundos e sobre a dificuldade  de tentar exercer paternidade devido à pressão no trabalho. O sistema está se lixando se o homem será pai, o que importa é o aumento da produtividade e metas alcançadas.

Muitos homens pensam que não têm muito o que fazer para ajudar no momento da gestação. Até onde vai a proatividade do homem e onde se restringe a auxiliar?

Acredito que essa crença é justamente por falta de conhecimento, o que acaba gerando falta de empatia e consequentemente falta de proatividade. Se o homem não sabe o que está acontecendo com a parceira, sobre as modificações relacionadas a cada fase gestacional, ele provavelmente não saberá o que fazer. Proatividade nunca é demais e auxiliar a parceira com conhecimento e entrega também. 

Quais os caminhos que ajudam o homem a se livrar do papel de “homem da casa”, da posição que limita a prover financeiramente e deixar os afazeres da casa / filhos para a mulher?

Costumo dizer que a paternidade é a melhor oportunidade que a vida nos dá para refletirmos sobre nossas origens, sobre nossas referências paternas,sobre o que foi positivo em nossa formação enquanto homens e o que desejamos replicar. Antes de sermos pais, somos homens, e trazer isso para consciência é fundamental para uma paternidade integral, proativa e empática.

É comum os homens se sentirem “carta fora do baralho” após o nascimento do filho, quando todos as atenções da mãe se voltam para a criança e a criança, por sua vez, é 100% dependente dela?

Sim, esse é um sentimento comum. O pós-parto, puerpério, é uma fase que pode ser muito desafiadora para o casal. Tudo muda, e lidar com essas transformações não é fácil, ainda mais se o homem não tem conhecimentos sobre esse período. Para uma parcela grande de homens, é extremamente difícil entender que nos primeiros meses pós-parto a prioridade não é a relação a dois, e sim o cuidado com bebê. Mas é uma fase que sim pode ser difícil, mas quanto mais esse homem se entregar e ocupar seu lugar ativamente, mais leve será o caminho.

Vivemos numa cultura extremamente sexista, e se antes comportamentos prepotentes, mesmo que disfarçados, eram normais na dinâmica do casal, no pós-parto talvez isso não seja mais tolerado pela mulher, e isso pode gerar um grande desconforto para o homem, afinal pela primeira vez na vida esse homem não será protagonista, e isso pode doer.

Como os homens costumam lidar com a quarentena?

Primeiro quero dizer que a quarentena é uma construção de uma cultura patriarcal, como se fosse uma cortesia do homem dar 40 dias para mulher se recuperar. O retorno a vida sexual irá depender muito de como foi o parto e da evolução da recuperação da mulher, que pode ser em 15 dias, 30 dias, 40 dias, 60 dias ou mais. Quem irá saber quando está tudo ok é a mulher, e ninguém mais. 

 A quarentena é muito mais que um resguardo sexual. É um período extremamente necessário para que a mulher COMECE a se recuperar fisicamente e se reconstruir psicologicamente. Foram meses de transformações físicas e psicológicas, mais todo o processo do parto. Existem os hormônios, totalmente desregulados, que podem potencializar em muito a falta de libido da mulher. Sem contar na ausência de sono e a amamentação, que pode ser difícil para uma grande parcela das mulheres. 

Ou seja, não serão em 40 dias que as coisas irão se equilibrar. Existem 30 prioridades na frente do sexo. Sem falar na carga mental. Difícil? Como homem digo que sim, e muito. Nossa cultura/educação falocêntrica reforça essa nossa falsa necessidade de termos que transar, penetrar para ser mais exato (como fossemos morrer se não transarmos). É entender e ressignificar tudo isso como um processo de aprendizado, de amadurecimento, pode acreditar, tudo será mais leve. 

O tesão no período da gestação e pós-gestação pode mudar tanto para o homem quanto para a mulher? Como equacionar essa questão?

Esse talvez seja um dos principais desafios para o casal. De um lado está a mulher, sensível, exausta fisicamente e mentalmente com as novas e “infinitas” demandas, querendo mais é dormir, tomar um banho e ser acolhida. Do outro lado está o homem, contando os dias para ter uma noite de sexo igual aos tempos em que eram somente um casal, sem filhos.

Realmente é uma equação que não bate, mas sim, existem caminhos. O primeiro passo é ter como prioridade estabelecer uma comunicação empática, em que um se coloca no lugar do outro, sem julgamentos e com muito acolhimento. Acredito muito que esse seja o principal caminho. Na maior parte das vezes, no entanto, essa comunicação é carregada de ruídos, de reatividade e isso acaba minando qualquer relacionamento. Infelizmente, por falta de conhecimento do que é o puerpério, uma grande parcela dos homens não consegue ser empático de forma verdadeira.

Um outro ponto importante é que para uma grande parcela de mulheres, o principal papel do homem após o nascimento do filho é exercer a paternidade como prioridade. E isso não é só ser um bom pai em relação ao bebê,  e sim ser um parceiro em todas as necessidades. Se o homem não participar de forma ativa nos afazeres da casa, no cuidado, nas noites sem dormir e tudo mais, provavelmente essa mulher não irá enxergar esse homem com tesão.

O aumento da libido da mulher é influenciada 80% de forma psicológica, ou seja , é necessário um cenário positivo. Se esse cenário não for positivo, se não houver cumplicidade, provavelmente não existirá estímulo que faça essa mulher ter tesão. E não adianta uma barriga tanquinho e braços fortes, o que mais elas querem é um parceiro, em tudo.

O que a paternidade te ensinou?

A paternidade me trouxe um outro olhar, um amadurecimento emocional e pessoal. Oportunidade de refletir sobre questões existenciais – qual meu propósito na vida, o que eu desejo replicar, quais as minhas construções. Vejo que a paternidade é oportunidade de rever meus padrões e melhorar enquanto ser humano. E deixar isso passar é um desperdício. Para mim, a paternidade trouxe propósito, de vida e profissional. Para outros homens, pode mostrar novas possibilidades e caminhos, depende do quanto os homens se entregam e permitem viver a paternidade de forma profunda.

Você acha que homens entendem o que o feminismo é na essência?

A maior parte dos homens não entende. Ainda está no lugar de reatividade, desconforto, incômodo e falta de conhecimento, de estudo, de saber o que é. Vejo que infelizmente muitos  homens e mulheres não enxergam a importância desse movimento. Existem facilmente muitos homens na defensiva e talvez por medo de terem agora que se movimentar, sair do lugar de conforto e não saber o como lidar com essa dinâmica. É um caminho ainda longo. Mas importante é os homens que já enxergam esse movimento com clareza levantar a bandeira e apoiar as mulheres. O movimento de desconstrução é um movimento pró-feminista, que enxerga a equidade como uma necessidade, para uma sociedade mais justa e humana. É difícil. As pessoas ainda ficam na polaridade, o caminho é longo e falta ainda.

Nessa trajetória de grupos, cursos e palestras, o que mais te marcou?

O resultado positivo em relação ao casal. Quando a mulher enxerga que o homem está determinado a ser uma pessoa melhor, ser um pai de verdade, exercer a paternidade integral, isso é muito forte. Sempre que termina um curso, vejo o amor fortalecido. Homens muitas vezes chegam céticos, rígidos. E ao final todos saem felizes e agradecidos por terem vivenciado. E com vontade de também disseminar o conhecimento.

 Para saber mais sobre o projeto no Instagram: @homempaterno

Colaborou com perguntas Ney Duarte Schiavo.

Agende-se
 
O quê: curso Gestação e Parto para Homens
Quando: 13 e 14 de abril
Onde: Espaço Kuaray (Av. Afonso Delambert Neto, 759, Lagoa da Conceição)
Informações / inscrições para o curso: https://linktr.ee/homempaterno

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