A Juventude que dita o futuro

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Há uma música no novo álbum de Thomas Rhett que descreve a sensação que encontramos num determinado momento da nossa narrativa: vivemos, e é isso. Nossos sonhos e aspirações mudam, conforme a idade. E simplesmente embarcamos no que o dia a dia nos oferece. Criamos algo que nos apazigua a frustração, embora o gatilho possa ser acionado a qualquer momento e nos lembrar do que tentamos esquecer. O cinema, veja bem, pode nos oferecer a oportunidade de criarmos laços subjetivos com as mais variadas formas de contar uma determinada história e encontrar figuras de linguagens similares nos gêneros mais difusos. Se um filme como o terror Ma, de Tate Taylor (Histórias Cruzadas), pouco tem a oferecer numa análise mais profunda, ele ao menos serve de referencial para outros longas que exploram uma jornada similar de encanto com a rebeldia, o desconhecido e a arte de fugir de nosso próprio passado.

No extremo, quais semelhanças o filme de terror Ma carrega com o musical Rocketman, que nos imerge dentro da mente de Elton John, ou com a comédia Anos 90, de Jonah Hill? Todos são personagens que tentam fugir de algo, de alguma coisa ou de alguém. Ma carrega a lembrança da rejeição na infância e sua saída é tentar viver o que lhe foi renegado – até as últimas consequências. Elton John se desnuda por completo, mostrando-nos a sua infância carregada e o quanto a memória afetiva (ou a falta de) com seus pais acabaria lhe tornando quem se tornou. Stevie, o garoto de 13 anos de Anos 90, encontra no desconhecido uma maneira de não lidar com a própria infância, ditando o que ele quer pra ele sem depender de influências familiares. Há uma conversa entre Stevie e Ray, numa cena chave de Anos 90, que dialoga com essa questão de fuga ao testemunhar que todos aqueles personagens trazem um tipo de bagagem. Ninguém está sozinho. Jonah Hill filma a sua história sempre centralizando sua ação, num estilo que pode realmente nos lembrar algo como uma fita VHS, ao mesmo tempo que trata sua narrativa de maneira afetiva e pessoal – e a cena inicial do garoto ouvindo uma música no seu diskman, de costas, no centro do quadro espelha bem essa natureza. É possível ouvir a voz do cineasta dizendo, enquanto observamos as cenas: – ei, lembra de quando fugíamos da policia porque não podíamos ficar andando de skate nas ruas? As coisas mudaram. Os laços, idem, evoluem. É uma obra similar a filmes como Skate Kitchen e Minding the Gap, que nos colocam diante da anarquia das gangues juvenis, mas ao elo que elas projetam.

O filme de Elton John, por sua vez, é um manifesto musical da mente do próprio. A busca do cantor parecia ser uma só desde o início: o reconhecimento familiar e a carência de afeição. Suas músicas sempre soarão como um pedido de reconhecimento para seu pai e sua mãe. Uma forma de comunicar o que não conseguia verbalizar. Suas melodias trazem uma identidade que ele necessitava. Há uma força gigantesca no contraste entre a felicidade e a tristeza. Perceba, por exemplo, Elton falando na reabilitação sobre sua infância feliz enquanto a montagem demonstra a rejeição que encarava. Do mundo sem cor de Reggie passamos a ver o mundo cada vez mais colorido de Elton (desde seus figurinos até o design de produção). Ao passo que os raccords evidenciam fusões e elipses realmente incríveis e espalhafatosas (as minhas favoritas são a da canção Rocketman, Crocodile Rock e a de Saturday Night’s Alright), da mesma forma a produção é empenhada em evidenciar com sensibilidade as mudanças do cantor: tirando o óbvio desnude na reabilitação, onde ele vai tirando cada peça de roupa ou o abraço no seu eu juvenil, note o momento em que Elton aparece casado e a divisão da mesa – com as plantas da casa paralelas a cada um deles, uma meio morta (a de Elton) e a outra ainda com vida (a de Renate). Diferente de Ma (a rejeição que a leva ao assassinato) ou de Stevie (a rejeição a seu próprio mundo), Elton John decide explorar a sua própria, criando seu mundo, sua melodia e viajando por sua personalidade. É sensibilíssimo como cada canção dialoga com o momento vivido, jamais soando como uma tentativa de reprodução de hits, mas como uma compreensão acerca do criador daquelas sensações.

Criação e fuga é o mesmo princípio de Dias Vazios, o drama brasileiro que talvez seja a melhor estreia da semana. Daniel, o escritor, aparece quase como um personagem machadiano, algo que o filme reverencia, enquanto tenta descobrir o destino de Jean e Fabiana – duas figuras trágicas de uma cidadezinha do interior brasileiro. Ele naturalmente dita ao que podemos assistir e ao que podemos duvidar. A linha é tão alucinantemente tênue, que culmina numa das cenas mais fortes do ano, no terceiro ato, quando somos levados a acreditar no destino de três personagens, simplesmente pelas camadas que o filme cria. As repetições de cenários, o vazio, os diálogos idênticos, tudo parte da premissa da rotina, de uma tentativa de fuga de uma cidade que não alimenta sonhos juvenis. O mar que Fabiana ou Alanis anseiam é simplesmente o desconhecido. Uma possibilidade não ver mais a mesma terra, o mesmo chão, a mesma rua vazia. E isso persegue a todos que acabam tendo contato com as projeções dos garotos. Num clima de repressão católica, o sexo se torna rebeldia. Numa rua de concreto vazia, o mar vira sonho. Mas sonhos trazem decepções, frustrações, caos, tragédias. As ações, consequências. Daniel evidencia que alguns destinos podem ser criados, com reflexos mundanos, como situações verossímeis, porém há uma essência de fuga em cada capítulo, em cada tentativa de compreensão a respeito da vida. A fuga pode ser um escape de sua realidade, como também pode representar a extremidade de procurar o suicídio. Por não conhecer o mar, o desconhecido? Não. Por não conhecer a si mesmo.

Afogada, saiu pela rua com sua escada e apagando as luzes, de cada poste, ela acreditava não mais encontrar o caminho de volta. Retornou logo após o amanhecer e reencontrou tudo no mesmo lugar, inclusive a escada ao lado do poste 33”, escreveu um amigo meu, José Carlos, num devaneio da madrugada sobre escapes e fugas. Cada personagem cinematográfico deste final de semana encontrou sua escada diante do poste. A vida prosseguiu, porém eles reencontraram de alguma maneira o que deixaram para trás. Alguns com mais bagagens do que outros.

Os filmes estão em cartaz no nosso parceiro, Cinesystem/Iguatemi.

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