O cinema de terror nacional deve a existência a José Mojica Marins

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Zé do Caixão em Esta Noite Encarnarei em Seu Cadáver

Nascido numa sexta-feira 13, a vida de José Mojica Marins se confunde com a de seu personagem mais famoso – Josefel Zanatas, o Zé do Caixão. O diretor, produtor e ator completaria 84 anos no dia 13 de março. Vindo de uma família pobre, a sua história é quase cinematográfica – Marins cresceu num pequeno cinema em uma zona de operários. Seu pai era gerente do Cine Santo Estovão, na Lapa carioca. Dirigia peças teatrais do colégio, onde já buscava o naturalismo, e usava um galinheiro de um de seus colegas de classe como estúdio. Na escola, reza a lenda, jogou uma lagartixa no cabelo de uma colega para receber o pavor real dela numa cena específica, uma anedota registrada na biografia Maldito, de André Barcinski e Ivan Finotti. Ele faria isso nos seus filmes seguintes como o coveiro mais famoso da sétima arte, colocando suas atrizes em situações parecidas com aranhas e baratas. Por um terror real e cru, ele precisava que seus atores e atrizes tivessem experiências reais.

Zé prometia ser um grande diretor de cinema. Munido de sua câmera 16 milímetros e um sistema de cotas fruto de suas “aulas de cinema” dada a outros jovens e entusiasmados, a sua maior ambição era fazer seu primeiro filme. Conseguiu aos 22 anos – com um faroeste chamado A Sina do Aventureiro. Mas gravaria seu nome para a eternidade alguns anos depois, com o terror A Meia Noite Levarei Sua Alma. Na trama, o coveiro conhecido como Zé do Caixão busca o filho perfeito, algo que sua esposa não consegue lhe dar. Ele desdenha das tradições e crendices nacionais, como a de comer carne numa sexta-feira santa. Há um diálogo maravilhoso, inclusive, que é um dos meus favoritos do cinema nacional:

– Hoje, eu como carne nem que seja carne de gente.

– Cuidado, Zé. O diabo tenta.

­– Pois, se o encontrá-lo, eu lhe convidarei para jantar.

Mojica não ganhou nada com seu filme, embora tenha tido um sucesso quase inacreditável nas primeiras semanas e feito fama internacional na Europa como Coffin Joe, que descobriu o terror brasileiro. Havia saído de casa, vendido todos seus móveis e suas roupas para gravar o longa-metragem, além do carro da família. Mas, antes da estreia, vendeu todos os direitos de imagem para um dos atores, que era um corretor imobiliário. Fez fama, porém não fez dinheiro. Uma sina que lhe perseguiria até o fim da vida, aproveitando suas aparições como Zé do Caixão para garantir algum dinheiro a mais para o próximo filme ou a próxima ideia. Sua obra-prima é Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, de 1967. Nele, a grande cena de sua carreira: o inferno na mente de Josefel Zanatas.

19 de fevereiro marca o fim da história de um homem com um sonho. Ironicamente, Zé do Caixão nasceu de um pesadelo que teve ao estar falido. Felizmente, como acontece com artistas gigantescos, a obra traz imortalidade. Bem-vindo à eternidade, Mojica.

por Andrey Lehnemann

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