As percepções cinematográficas de um mundo contaminado pela necessidade de conexão

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Como é possível viver desconectado com as ações que movem o nosso sistema de vida e nossas certezas? Essa é uma pergunta que muitos teóricos tentam responder em grande escala, com hipóteses variadas, mas que acabam se limitando a um denominador comum: a sociedade caminha para um mundo cada vez mais conectado. Aos poucos, ao falar em convívio, você comentar que está tendo um relacionamento em Itajaí com alguém de Aracaju não é mais uma surpresa. A procura da aproximação não se limita ao contato físico tanto quanto ao emocional e à necessidade. É perceptível que a internet virou uma necessidade capital, além de ser absortiva. Você precisa dela, muitas vezes, para o próprio conhecimento. Você precisa dela, muitas vezes, para o trabalho. Você precisa dela, muitas vezes, para relevância. Mas qual o preço a ser pago? A prática demonstra que não é só na fatura.

Um dos exemplos cinematográficos a trabalhar isso, por exemplo, é o excelente A Rede Social, de David Fincher, que evidencia as múltiplas facetas de um nada feliz Mark Zuckerberg. Longe dos sorrisos das fotos produzidas e da manifestação de sua persona pública 100% confiante, o interesse no lado humano do programador conferiu um peso fascinante para uma cinebiografia que poderia ser comum e nada inspiradora na mão de outro cineasta. Fincher lança perguntas atemporais no filme: seria o homem que nos aproximou distante de todos? O quão frágil é a sensação de contato? O quão depressivo é a vida de alguém que de milhões de pessoas apenas deseja que uma lhe aceite?

O filme foi tão forte na veia humana de seu biografado que o próprio Zuckerberg não gostou do filme. Ninguém gosta de ser exposto, não é mesmo?

Atualmente, o consumidor moderno atende as necessidades de um mercado cada vez mais virtual e, ao mesmo tempo, próximo e distante. Existe um ambiente que faz com que chegue até ele apenas o que é de seu interesse ou o que é programado para ele assistir? O quanto você faz parte de um vício estrutural, de pensamento único ou de natureza retórica e influenciador? É possível saber? Um documentário interessante a tratar desse problema é disponível gratuitamente na internet e se chama Hipernormalização. A obra descreve que nenhuma pessoa tem um poder de escolha sobre o tipo de sociedade que quer. Você já está inserido nesse mundo e o que acaba sobrando para você é participar. Escolha seu programa, seu canal e faça parte do que todos esperam que você assista ou pense. O mesmo documentário expõe que nossos romancistas, poetas e artistas de maneira geral colaboram para isso. Eles falam sobre a sociedade posta sem que se negue a sociedade posta. Como se para resolvêssemos problemas o que necessitaria de nós seria apenas apontá-los.

É exatamente isso que o cinema pode nos fazer, ainda que não exista uma saída do problema de jamais conseguirmos a sociedade perfeita, as potencialidades de discussão sobre uma podem ser compreendidas, multiplicadas e debatidas por filmes de qualidade. Nenhuma obra é incapaz de fazer com que pensemos. Nem um filme de super-herói, nem uma comédia romântica, nem um drama, nem uma ação, nem uma aventura, nem um terror. O cinema nos manipula a antecipar, a absorver e a se deixar levar. Mas a discussão provocada por ele pode ser sempre maior do que apenas um simples: “gostou do filme?”.

Mesmo diante da dúvida, a resposta é justamente um dos caminhos que escolhemos para o contato, para a conexão e para potencializar nosso pensamento. Filmes podem gerar dores, felicidades e esperanças. Por que voltamos? Por que gostamos de pensar que o final de semana está chegando? Por que gostamos de assistir a um filme com alguém? Simplesmente para afastar a realidade? Ou para compreendê-la? Filmes podem ser espelhos de uma época. A da modernidade está ali simbolizada no filme de Fincher, A Rede Social. Está no novo lançamento disponível da Netflix, Rede de Ódio. Está nas dezenas de filmes lançados a cada mês. Todos falam de nós. A pergunta da vez é: com o que desejo me conectar agora?

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