Documentário de Karoline Maia relaciona o quarto da empregada com a escravidão no Brasil

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Por Pedro MC

O projeto Aqui Não Entra Luz foi desenvolvido a partir de premiação no Itaú Cultural em 2018, e já foi rodado em várias partes do Brasil, com equipe majoritariamente de mulheres negras.

Em fase de captação de financiamento coletivo para ser lançado, a diretora, roteirista e produtora Karoline Maia conversou com o programador da Sessão Cinemática, cineasta catarinense Pedro MC, sobre o projeto. Leia a entrevista:

Karoline, parabéns pelo seu projeto, e sucesso nos apoios para finalização. Gostaria de saber sobre a linguagem do seu documentário. A rapper Preta-Rara lançou ano passado, na Festa Literária das Periferias (FLUP / Museu de Arte do RJ), o livro Eu, Empregada Doméstica, baseado na página de mesmo nome, que viralizou nas redes. No seu filme Aqui Não Entra Luz você vai usar a primeira pessoa para contar a sua história, contando a história do nosso país? Como você trabalhou o roteiro?

O projeto Aqui Não Entra Luz é um filme contado em primeira pessoa, por mim. Faço uma pesquisa sobre o quarto de empregada a partir da minha própria história. Minha mãe, que é empregada doméstica, me levava para os lugares onde ela trabalhava.

O filme ganhou essa cara depois de um tempo de pesquisa. Anteriormente era um projeto que eu só iria aparecer como diretora. Mas o processo foi amadurecendo e decidi o que eu ia trazer minha história para o filme. Então tem um resgate de memórias.

E a partir desse resgate eu passo para uma busca de histórias de trabalhadoras domésticas, de história de espaços construídos na época do Brasil colônia, e em espaços modernos que, de alguma forma, refletem um pouco desse Brasil escravocrata.

Passamos por senzalas, apartamentos, quartos de empregada, quartinhos e pela história de vida de mulheres que passaram por essa história toda. Ninguém melhor do que as trabalhadoras domésticas para contar essa história.

O projeto do seu filme foi contemplado no Itaú Cultural, no mesmo ano (se não me engano) do projeto Mulheres Negras, da Day Rodrigues. Sendo o Brasil o maior país negro além dos países da África, como definir a quase inexistência de cineastas pretas aqui? Em suas próprias palavras.

Gosto muito das provocações que Day Rodrigues também faz. Não sei se dá para dizer se inexistem cineastas negras. Acho que é mais uma falta de espaço. Não formamos cineastas negros na mesma quantidade que cineasta brancos.

Acho que existe um esforço de pessoas negras que trabalham com cinema para formar diretores, cineastas, críticos negros. Existem sim cineastas, que como eu, tem poucos recursos para produzir.

Temos um caminho, uma trajetória muito mais difícil para chegar até um filme, até uma distribuição, numa realização e tudo mais. Tem profissionais de cinema em todas as áreas, mas é preciso mais esforço para encontrá-los. É preciso, acima de tudo, um trabalho na educação.

Eu faço um cinema de forma autodidata e me interessa bastante aprender mais sobre o fazer cinema, para que minhas produções possam alcançar outros patamares e que eu possa crescer e evoluir nesse processo.

E fazer filme com esse conjunto de dificuldades é frustrante e difícil. É um processo que trava um pouco a criatividade. São “N” dificuldades que os produtores passam, não é só “crise artística”. São dificuldades que interferem no nosso processo.

O presidente hoje em exercício, quando deputado federal, foi o único a votar contra a PEC das trabalhadoras domésticas e sua gestão cortou verba do Fundo Setorial de Audiovisual para apoio à produção, especialmente quando os temas tratam de minorias e diversidade. Um ponto não discutido sobre o FSA da Ancine é a democratização de acesso, de capacitação para quem não tem condições de cursar faculdade de cinema. Qual sua opinião sobre as políticas de incentivo ao cinema? E por que demora tanto para que o tema “trabalhadoras domésticas” ocupe espaço e janela na grade de TV e plataformas digitais?

Acho bem triste nosso governo que não apoia a Cultura, e não apoia a <nossa> Cultura também. E falo desse lugar do ponto de vista de mulher negra e periférica. Eu produzo outra dinâmica, que não é de produtora grande.

É independente, totalmente independente. E isso também é um dado sobre essa relação do artista negro e o recurso para se produzir no Brasil. O acesso prá mim é outro. O acesso para mim é outro. As possibilidades são outras. E não é só pelo fato de ser negra, é pela falta de acesso.

As trabalhadoras domésticas já estão na TV, nas janelas todas, na novela. Não existe uma novela no Brasil sem a figura da trabalha doméstica. Nem que seja uma figura invisível naquele contexto. O esforço que precisa ser feito é um esforço narrativo com a importância que elas têm que ter.

Não é transformar a empregada doméstica numa figurante que não sente, que não é pessoa. A gente tem que identificar e ressignificar a figura da trabalhadora doméstica como sujeito nesses espaços.

O filme Aqui Não Entra Luz tem como um dos propósitos o de provocar o tema para colaborar na abertura de mais espaços de discussão. E são várias obras e cineastas que estão pautando o tema.

Como pode se apoiar o projeto? Em que pé está a produção e quais os planos de lançamento e distribuição?

Atualmente estamos fazendo uma campanha de financiamento coletivo, na plataforma Benfeitoria, com apoio a partir de R$ 10 (nome nos agradecimentos e créditos finais). A meta é alcançar R$ 130 mil e uma parte será para finalização e outra para distribuição. A campanha fica no ar até dia 11 de julho, neste link.

Pedro MC é cineasta e programador da Sessão Cinemática. É colaborador da Revista Gulliver.

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