Exposição Hugo Mund Jr: obra gráfica disponibiliza obras em pdf de um precursor das artes gráficas em SC

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Por Sebastião G. Branco e Gabi Bresola


Na história da arte brasileira poucos artistas catarinenses são citados ou têm sua obra e processos de criação estudados. Nosso Estado é carente em produção bibliográfica e crítica na área de Artes Visuais. Menos ainda isso se dá na literatura ou no Design. Talvez tenha sido esse um dos motivos pelos quais Sebastião G. Branco iniciou sua pesquisa sobre Hugo Mund Júnior em 2017. A ausência de textos sobre o artista já mostra que não é de hoje que catarinenses (assim como de outros estados fora do eixo Rio/São Paulo) são deixados de lado da vista estética em termos de leitura crítica. Havia rastros de seus desenhos das décadas de 1950 e 1960, documentos, livros e notícias sobre exposições e obras espalhadas por acervos privados, mas sempre foram soltos e incipientes, ora de Mund desenhista, ora Hugo escritor e só. A pesquisa de mestrado trouxe uma sistematização do trabalho do artista e também uma linha do tempo, rica em dados, preenchida de acontecimentos, participações e produções que nos revelam um artista multifacetado e precursor das artes gráficas em Santa Catarina.

Reprodução de páginas do livro Palavra e cor, 1988/ Coleção particular

Hugo Mund Júnior nasceu em Mafra/SC, em 1933. Foi poeta, artista gráfico, desenhista, gravador, pintor e professor. Alguns de seus primeiros textos (peças de teatro e críticas literárias), xilogravuras e ilustrações foram parte de projetos gráficos de números da Revista Sul, editada pelo Grupo Sul, no movimento de arte moderna local. Foi um dos fundadores do Grupo de Artistas Plásticos de Florianópolis (GAPF) com o qual produziu exposições e foi premiado nas duas edições do salão. Foi pupilo de Oswaldo Goeldi na ENBA, de 1957 a 1959, que o influenciou fortemente na produção de gravuras. Tornou-se professor da Universidade de Brasília, de 1962 a 1968, no período de fundação dos cursos de artes baseados na estrutura da Bauhaus. Fez parte do movimento de vanguarda Poema Processo, sendo o único integrante do Sul do Brasil. Na década de 1970, atuou na Fundação Cultural de Brasília, no centro de criatividade, e logo em seguida foi desenvolver o projeto gráfico das revistas de Cultura e Educação na Diretoria de Documentação e Divulgação do MEC. Uma década depois, foi coordenador de ensino das Oficinas de Arte do CIC, que já possuíam equipamentos de impressão; o parque gráfico  se ampliou com a chegada de Mund, e com as novas estruturas editoriais seus frequentadores acentuaram a produção de cartazes e publicações. Realizou exposições, publicou livros de poesia, de poesia visual e outras publicações experimentais marcados por palavra e imagem. Nestes fatos que compõem sua biografia é possível perceber como a trajetória do artista conjuga-se com o aprofundamento da produção e ensino das artes gráficas no Estado.

Reprodução de páginas do livro Palavra e cor, 1988/ Coleção particular

O desejo de compartilhar esta pesquisa para além dos muros da Universidade nos levou a transformá-la em exposição. A sorte é que a ideia gerou um projeto, Hugo Mund Jr: obra gráfica, e ele foi selecionado no Prêmio Edital Elisabete Anderle 2019. O azar é que mesmo com os meios práticos para realizá-la, estamos no meio de uma pandemia. Por isso, enquanto não é possível ocuparmos o MASC e mostrar as obras originais, abrimos um espaço aqui na coluna Ttéia, para expor, mesmo que no formato digital, três trabalhos que são representativos para tratar brevemente da obra de Hugo, seguindo os três eixos curatoriais: Hugo Mund Jr. como ilustrador, artista/editor e poeta visual. 

Reprodução de desenho sem título, 1961 / acervo MASC

Hugo Mund Jr. ilustrador
Desenhos em nanquim, carvão e xilogravuras que parecem narrar cenas cotidianas, seres mitológicos e passantes anônimos fazem parte das ilustrações de Hugo. Na exposição parte delas são originais e uma parcela foi impressa em livros e revistas, como a Revista Sul (1947-1958). Geralmente feitos em séries, trazem traços hachurados, nervosos e fluidos e vão se complexificando ao longo de sua formação na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA/RJ – 1953 a 1958). As cenas derivam de um repertório ótico de figuras sombrias e fantásticas conquistado pela observação, literatura e pela memória. Com uma marca simbolista e expressionista, os trabalhos desse eixo dialogam principalmente com Cruz e Sousa, Oswaldo Goeldi, James Ensor e os artistas do Grupo Sul de Florianópolis. Mais de 60  trabalhos do artista podem ser vistos no acervo on-line do MASC.

Por essa via que ele se tornou professor da Universidade do Brasil em 1962 (atual UnB). Na época criou o Desenho de observação (acervo UnB), disponível aqui ou no link abaixo em formato de pdf, um plano de ensino sobre desenho que pode ser lido também como um trabalho-instrução, no qual trata de formas figuradas e abstratas, entre arte e comunicação. 

Reprodução Jornal Oasis nº 2, 1950, por Ombu produção / acervo de Silveira de Souza

O artista editor
Neste eixo encontramos um artista que se dedica à edição de trabalhos em formato de jornal e de livro. Mund envolveu-se com questões de concepção, diagramação (na época programação visual), impressão, encadernação, lançamentos e distribuição de publicações. 

Em 1949, com Silveira de Souza, concebeu o Oasis, um jornal no tamanho A3, impresso em tipografia na Imprensa Oficial. Textos de literatura, dramaturgia, fragmentos de poemas e outras propostas do próprio Hugo e de Silveira ocupavam as páginas junto com trabalhos de outros artistas convidados. Oasis teve seis edições e durou até 1951. Aqui ou no link abaixo disponibilizamos o primeiro número do jornal.

Ainda sobre sua figura de editor, algo bem importante foi a fundação da Edições do Livro de Arte, de 1958, a primeira editora de livros de artista em Santa Catarina, idealizada por Hugo Mund Jr., conforme relato de Silveira de Sousa. De 1958 até 1962, produziram três livros: Sonetos da noite, de Cruz e Sousa (1958), OVigia e a Cidade, de Silveira de Souza (1960) e País de Rosamor, de Maura de Senna Pereira (1962), feitos em formato de álbum de gravura com poemas e ilustrações em xilogravura. Todos com impressões originais de Hugo, folhas não costuradas, tipografias tradicionais e não-serifadas, assinadas pelos autores e numeradas, com tiragem de 240 exemplares do primeiro título e 300 dos demais. 

Reprodução de poema visual, 1993 / Publicado no Suplemento Cultural Ô Catarina nº29

A poesia visual
A produção de Hugo relacionada ao que se entendia como poesia visual na época, hoje poderia estar nas feiras de publicações e ser considerada como publicação de artista ou objeto gráfico — categorias  em ascensão nas artes visuais.Uma renovação da produção de Mund é percebida quando colaborou com o grupo Poema Processo e passou a simplificar as figuras em formas geométricas e orgânicas, fotos, recortes, colagens e manuscritos. Caminha do gráfico traçado do desenho para a massa cheia de cor,  enquanto recompõe ideias, imagens e textos. A publicação impressa em livro torna-se o meio e o fim dos trabalhos. Os principais títulos são os livros de artista Gráficos (1968), Palavras que não são palavras (1969), Germens (1977), Palavra e cor (1988), o envelope Processo 2 com Neide Sá e Lara Lemos (1969) e Oriente/Ocidente (s/d). Alguns deles, inclusive, fizeram parte do circuito de arte correio.

Um dos exemplos que evidencia como sua proposta editorial abandona parcialmente a estrutura de livro convencional e busca apreensão universal de estruturas da matéria e do desenho gráfico como parte da obra é o livro Gráficos (acervo UnB), publicado em 1968, que disponibilizamos aqui ou no link abaixo:

Reprodução de desenho sem título / acervo MASC

Todo o processo artístico de Hugo foi composto por precisão, objetividade e racionalidade em um sistema de signos que vivem no papel pela edição de imagens e palavras. É marcado por alguém que detém um vasto repertório dedicado aos saberes da humanidade e da tecnologia e empreende um complexo estudo sobre a sensorialidade e percepção. Sua obra, constituída de exercícios potentes e inéditos, foi marcada por uma atividade “transmental”, como menciona Jayro Schmidt, ao definir o processo de Hugo. Esta “transmentalidade” também fez com que Hugo escolhesse encerrar sua carreira de artista há mais de 15 anos, deixando um grande legado para designers, escritores, artistas gráficos e visuais.

Hugo Mund Jr.: obra gráfica” contará com mais de 100 obras, em versões originais e réplicas para manuseio, uma linha do tempo com documentos fac-similares e textos históricos sobre sua obra. É um projeto de exposição com curadoria de Sebastião G. Branco, produzido pela Ombu produção e previsto para acontecer no Museu de Arte de Santa Catarina, assim que a pandemia acabar. No perfil instagram.com/hugomundjr é possível saber mais detalhes sobre o projeto. Acompanhe! 

Kamilla Nunes é artista, curadora independente, crítica de arte e professora, atualmente doutoranda no Programa de Pós-Graduação do Ceart/Udesc. Foi gestora do Espaço Embarcação, em Florianópolis [2015 a 2018], curadora do Espaço Cultural O Sítio [2015] e diretora do Instituto Meyer Filho [2010 a 2014]. Integrou o grupo de curadoria de Frestas Trienal de Artes [SESC, 2014, Sorocaba] e idealizou a Rede Artéria em parceria com o artista Bruno Vilela. É curadora do programa de exposições do Memorial Meyer Filho desde 2008 e autora do livro Espaços autônomos de arte contemporânea (2013). Atualmente pesquisa e ministra aulas sobre Arte Brasileira Contemporânea e está desenvolvendo um processo de criação que fricciona campos do conhecimento, como a psicanálise e o materialismo histórico.

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